domingo, 19 de setembro de 2010

Debaixo da árvore - noite

3



Ventava.
- Ai que frio!
Isso bagunçava o cabelo dela de um jeito encantador.
- Vem cá que te esquento...
Ela simplesmente tinha aparecido. Chorando.
- Seu abraço...
- O que tem ele?
- Ele serve em mim.
- (...)
- Desculpa, não sei nem o que tô fazendo aqui.
- Não, fica aqui...
Ela se acomodou no abraço dele novamente.
- Ele me dispensou.
- Ele o que? Quem ele pensa que é?
- Quem ele pensa que é não sei. Sei o que ele é: meu ex.
- Entendo... Mas por que o choro então?
- Não tenho direito a tristeza mais?
- Tem... Mas ele te dispensou. Ele abriu mão da parte sua que vivia nele. E do jeito que você fala, você também abriu mão dele. Você não o queria mais, admita.
A luz da lua mostrou os olhos dela marejados e os batimentos do seu coração podiam ser sentidos sobre a pele.
- (...)
- Se a verdade é enterrada, vira mostro e te devora.
- Eu nunca o desejei.
- Como?
- Você ouviu.
- Não era a resposta que eu esperava.
- Nem por isso que ela deixa de ser resposta.
- (...)
- Ficou quieto por quê?
- Tô tentando organizar os sentimentos.
- Quais?
- Posso confiar em você?
- (...)
- Posso ou não?
- Pra acreditar na minha resposta você já teria que confiar em mim. É retórica a pergunta.
- Tá... Se eu confiar em você, você iria me machucar?
- De propósito, nunca.
Agora a noite podia escutar o coração dele.
- Você tá linda.
- Vestido amassado, maquiagem borrada... Teu gosto continua estranho.
- E você continua desejando alguém quebre o seu sarcasmo.
Um beijo silencia tudo na noite.
- (...)
- O que foi?
- Você acaba de quebrar ele.

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Dores

2


Olho pra janela. Está chovendo.
Meu corpo quer fugir de casa, deixar-se ser envolvido pela chuva.
Ele pensa que a água vinda do céu pode matar sua sede de carinho.

Imbecil.

Com a sensibilidade de uma máquina, saio caminhando pela calçada, rezando para que meu corpo se perdesse e eu pudesse encontrar minha alma.

Dói demais, entende? E a dor chegou num ponto em que todo o resto é anestesiado. A ponto de esquecer do que estava falando... Do sentimento original. De te amar.

É mentira dizer que minha alma está perdida, sei que ela está dentro de mim, mas é como se a parte mais pura, mais brilhante, estivesse escondida em algum lodo interno e eu não conseguisse arrancá-la de lá sozinha. É frustrante.

E mais frustrante que isso, é saber que só poderei ver essa parte brilhante com sua ajuda, como se só eu não fosse boa o bastante. Como se minha própria alma pensasse que se essa parte se revelasse, correria o risco do meu corpo se tornar um recipiente pequeno, e esta temesse transbordar... Por isso era necessário seu corpo? Para que o que transbordasse de mim fosse recolhido por você?

Você não entende, não me conhece... Você existe?

Caminho solitária, rezando para a chuva lavar mais que meu exterior... Tem idéia do que é procurar um rosto anônimo na multidão? Como sofrer tanto de amor por quem não sabe a cor dos olhos? Apenas imagina o brilho do sorriso?

Como reconhecer quem não se conhece?

terça-feira, 7 de setembro de 2010

Esta Noite

4


Hoje sou nostalgia.
Sou teu tormento.
Esta noite sou teu objeto.

Hoje sou energia.
Sou teu divertimento.
Esta noite sou teu projeto.

Hoje sou inocência.
Sou tua infância.
Esta noite sou tua criança.

Hoje sou medo.
Sou teu arrepio.
Esta noite sou teu desafio.

Hoje sou obscura.
Sou tua loucura.
Esta noite sou tua cura.

Hoje sou sapiência.
Sou tua tolerância.
Esta noite sou tua consciência.

Hoje sou feita de puro sentimento.
Sou tua alma.
Esta noite sou tua amante sem conhecimento.